Seja bem-vindo (a) a este site! Aqui você encontra informações sobre o primeiro grande fruto da minha trajetória literária, iniciada anos atrás: meu primeiro livro, publicado em setembro de 2025. Também há alguns escritos que eu gostaria de compartilhar. Tudo ilustrado com fotografias feitas por minha família. Fique à vontade.
O título dessa obra é uma hipérbole que remete ao 1º de abril. O Dia da Mentira é o fio condutor de 11 contos e crônicas ambientados em diversos Brasis rurais deste século XXI. Perpassadas pelo realismo mágico, as narrativas propõem uma alquimia entre a mentira e a verdade, sugerindo que o que menos importa é o grau de veracidade/irrealidade dos fatos e mais o como se reage a eles. É assim com uma tropeira às voltas com presságios absurdos, e com uma velha capioa acusada de ser... vampira. O mesmo se dá com um índio da Amazônia que sobrevive a uma chacina, mas não consegue despistar um felino extraordinário. E ainda com uma sertaneja que carrega por quase duas décadas uma ferida aberta. Também é o que ocorre com o menino obcecado com uma fenda surgida numa parede e o que ela está ocultando. E com um pai de família ao descobrir que o porão do seu sobrado foi ocupado por presenças sobrenaturais. Outras estórias falam da jovem que engravidou e nunca conheceu parto; da família assombrada pela ancestralidade de pessoas, animais de estimação e objetos; e por último da química que herda do pai (com quem brigou e nunca fez as pazes) uma caixa reveladora. Este livro é um convite a contemplar os gradientes de surpresa que a encruzilhada oferece. Sim, nesse encontro de caminhos, onde aquilo que pode ser se choca com aquilo que não pode, até o tempo para pra pensar antes de seguir uma direção.
“Os espíritos da floresta jamais aceitariam ficar de fora de tantos e tamanhos planos, e um deles assumiu o feitio de uma onça que veio a rondar o fogo que Quito acendeu certo fim de tarde. Só poderia ser uma potestade da mata: de dia, se conformava como um jaguar portentoso e negro como se de carvão aveludado; à noite era uma silhueta pantérica delineada por amarelos e alaranjados lumes de cigarros puxados por bocas invisíveis. Zanzava ali na pororoca das trevas com a luz”.
Trecho do conto "Cesto"
Foto: Suziane Brugnara
Foto: Suziane Brugnara
“Enquanto ainda tentava assimilar a notícia de um pai sem vida, notou uma madrugada clara e sigilosa lá fora. Corria pelo pátio um vento que esparramava as folhas de goiabeira como se lançasse dados. O ano já ia nos meados de outono, e as rajadas estavam insuportáveis pra um corpo nu. Mesmo assim Pamela foi ao quintal e ficou lá, usando apenas um par de brincos, imersa no seco elemento da noite, respirando forte, fustigada pelos próprios arrepios”.
Trecho do conto "Poncho no cachorro"
“Tudo onde a mulher mora é ruína. O casebre de taipa é rigorosamente desaprumado; talvez pelo peso de tanto barbeiro-de-chagas numa das paredes. Deve que é assim. E o teto todo de folha de macaúba, portanto espinhento? No terreiro só tem planta acanhada e de útero seco. Caído na porta, o cão é uma sombra que fervilha. Pulula nele um negrume: moscas em estado de moscaréu. O animal dá mostras de estar vivo quando se mexe, e o verniz preto substanciado pelos insetos então se assanha”.
Trecho do conto "Feiinha"
Foto: Suziane Brugnara
Foto: Suziane Brugnara
“Bem, uma labareda puxa outra, e ele recorda que o fogão da velha possuía um foguinho eterno, com chamas magras como ela, enrugadas como ela, ossudas como ela e feias como ela. Principalmente quando havia no quintal um julho e um agosto soltos e sem sossego. Pois às vezes acontece: esses dois meses saem do calendário e vão pro mato, onde ficam bravos e bravios; nunca mais reconhecem a gente, nem vêm comer na nossa mão”.
Trecho do conto "Vampira velha"
“Daí a pouco, as mulas estavam cheias de orvalho e orgulho, se equilibrando numa crista montesina. A neblina se espreguiçava conforme um relógio de ponteiros assim vaporosos, que destilavam os segundos quando bem queriam. O debutante mistério veio nos galhos de um araticum: dezenas de aranhas graúdas penduradas cada uma na respectiva seda de uma risca vertical, todas em alturas desiguais, que não se repetiam. Compunham um vivo móbile movido a aurora e aragem”.
Trecho do conto "Tropeira"
Foto: Paulo Poyanco
Foto: Suziane Brugnara
“Vai ver, dali saía a cobra comprida que mães e amas-de-leite setecentistas amamentavam à noite após adormecer. Sem poder acordar, era contra a vontade que o mulherio aleitava serpente. O animal vinha pelo telhado, baixava espiralando por uma viga, se esgueirava até poder mamar na mulher e por fim deixava duas marcas de dente no seio escolhido, tamanha a glutonia. Réptil que chuchava; que coisa! Deixava o rabo na boca do bebê pra entretê-lo enquanto se fartava na sucção. Ou então, pra distrair o neném, ela suavemente agitava o chocalho na ponta da cauda com uma brandura de adestrado basilisco de estimação. Por toda a região onde Tristán residia, ainda havia nas lactantes o temor a dormir com o peito a descoberto”.
Trecho do conto "Tristán"